
Quando se fala em controle de armas no Brasil, muitos imaginam que o desarmamento civil seja um fenômeno recente, associado ao Estatuto do Desarmamento de 2003. No entanto, as raízes da repressão ao acesso às armas pelo cidadão comum são muito mais profundas e antigas, remontando ao período colonial, sob o domínio da Coroa Portuguesa.
Uma das primeiras manifestações jurídicas de limitação ao uso de armas no território brasileiro está nas Ordenações Filipinas, conjunto de leis promulgado em 1603 pelo rei Felipe I de Portugal (também conhecido como Felipe II da Espanha). Essas ordenações permaneceram vigentes no Brasil até 1830 e foram instrumento de dominação e controle social, moldando por séculos a relação entre povo, armas e poder.
O que eram as Ordenações Filipinas?
As Ordenações Filipinas formavam um extenso código jurídico, de inspiração medieval, que unificava normas civis, criminais, administrativas e eclesiásticas para todos os domínios portugueses. No Brasil colonial, esse código foi o principal referencial legal por mais de dois séculos, organizando a sociedade segundo uma lógica rígida, elitista e profundamente autoritária.
Entre seus diversos volumes e títulos, havia disposições claras sobre quem podia portar armas, quais armas eram permitidas, e quais penalidades eram aplicadas a quem contrariasse a lei.
“Homens sem qualidade” não podiam portar armas
Nas Ordenações, uma das proibições mais emblemáticas era o veto ao porte de armas por pessoas comuns, classificadas como “sem qualidade” — ou seja, que não pertenciam à nobreza, ao clero ou à administração oficial da Coroa.
A legislação visava concentrar o monopólio da força nas mãos da elite, garantindo que o povo — composto em grande parte por indígenas, escravizados e colonos — não tivesse meios de resistência contra os abusos do poder.
O texto original das Ordenações Filipinas
No Livro V, Título LXXX (“Das armas que são defesas e quando se devem perder”), consta:
“Defendemos que pessoa alguma não traga em qualquer parte de nossos reinos pela de chumbo, de ferro nem de pedra feitiça; e sendo achado com ela, seja preso e até na audiência, e se lhe tire a dita pela, e se perca para sempre.”
Esse trecho já demonstra que a restrição ao porte de armas era uma política de Estado, aplicada de forma coercitiva e seletiva, sob ameaça de prisão e confisco.
Controle sobre armas como ferramenta de dominação colonial
A restrição ao porte de armas não visava combater o crime, tampouco proteger a população. Seu verdadeiro propósito era político: manter os colonos e os grupos marginalizados desarmados, submissos e dependentes da proteção da Coroa.
Em uma sociedade marcada por conflitos étnicos, revoltas de escravizados e tensões internas, as armas simbolizavam autonomia e poder. Retirá-las do povo era essencial para garantir a manutenção da hierarquia e do domínio colonial.
A tradição do desarmamento continuou no Brasil imperial e republicano
Mesmo com o fim da vigência formal das Ordenações Filipinas em 1830, com o advento do Código Criminal do Império, a mentalidade desarmamentista permaneceu intacta.
O cidadão armado continuava a ser visto com desconfiança pelas elites políticas, militares e jurídicas. Ao longo dos séculos seguintes, uma série de legislações reforçaram esse distanciamento entre o povo e o direito à legítima defesa.
O ápice dessa tendência se materializou com a Lei nº 10.826, de 2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, promovido sob um contexto de corrupção e aparelhamento estatal, ignorando o resultado do referendo de 2005, no qual o povo brasileiro rejeitou a proibição ao comércio de armas de fogo.
Conclusão: O desarmamento é uma tradição autoritária
As primeiras restrições ao acesso às armas no Brasil não foram criadas por razões de segurança pública. Elas nasceram como instrumento de controle político e opressão social, aplicado contra uma população que não podia — e não devia — reagir.
Essa tradição autoritária ainda está presente. Apenas mudou de nome, de justificativa e de roupagem jurídica. Mas a intenção é a mesma: desarmar o cidadão honesto, enquanto o Estado concentra para si o monopólio da força.
O INSTITUTO DEFESA acredita que a liberdade de acesso às armas é um direito natural, inalienável e fundamental para a preservação da vida, da propriedade e da própria liberdade.
Unidos somos invencíveis.
Referências:
- Ordenações Filipinas, Livro V, Título LXXX
(Disponível no Senado Federal) - Jusbrasil – Breve histórico do desarmamento no Brasil
jusbrasil.com.br