
O Japão frequentemente é usado como exemplo por desarmamentistas que, ignorando décadas de história sangrenta, repetem o mantra de que “menos armas significa menos violência”. Mas será que o Japão é pacífico por causa do desarmamento? Ou será que você foi enganado — de novo?
Uma cultura historicamente violenta
Antes da Segunda Guerra Mundial, o Japão estava longe de ser um exemplo de paz e estabilidade. Durante o período feudal, o país era marcado por constantes guerras internas entre clãs rivais, onde os samurais exerciam um papel de domínio e repressão brutal sobre a população comum. A violência era institucionalizada e fazia parte do cotidiano.
A Rebelião de Satsuma, em 1877, é um exemplo emblemático dessa tradição de conflito interno. Liderada por samurais contrários à modernização do país, a revolta resultou em cerca de 13 mil mortes. Esse número supera com folga muitos conflitos armados modernos.
Tão logo iniciou seu processo de modernização, o Japão canalizou sua cultura militarista para o exterior. Durante a Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) e a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), o país demonstrou um apetite voraz por conquista territorial e demonstração de força.
Essa mentalidade de expansão culminou no militarismo das décadas de 1930 e 1940, que colocaria o Japão no centro de uma das mais brutais campanhas militares do século XX. O objetivo era claro: criar um império asiático sob hegemonia japonesa.
As crianças eram doutrinadas desde cedo nas escolas a servir ao imperador e considerar a morte em combate como honra suprema. A ideia de paz civil ou liberdade individual era completamente alheia ao contexto histórico japonês antes de 1945.

O desarmamento como ferramenta de domínio
O desarmamento da população japonesa não é um fenômeno recente nem motivado por questões de segurança pública. A “Caça às Espadas” de Toyotomi Hideyoshi, em 1588, é um marco histórico do uso do desarmamento como forma de domínio político. Todas as espadas dos camponeses foram confiscadas, com a justificativa de promover a paz — mas o verdadeiro objetivo era impedir revoltas.
Durante o período Tokugawa (1603-1868), o controle de armas era absoluto. Apenas a classe samurai podia portar armas, e isso consolidava sua posição de privilégio e autoridade sobre o restante da população. O desarmamento civil não era um gesto de civilidade, mas uma estratégia de contenção social.
Com a derrota na Segunda Guerra Mundial, esse controle se intensificou ainda mais. Sob ocupação americana, o Japão foi proibido de manter Forças Armadas e impuseram-se regras extremamente restritivas para a posse de armas por civis. Era o reforço de uma cultura de submissão, não de pacifismo espontâneo.
Hoje, as leis japonesas são das mais severas do mundo. Qualquer tipo de arma requer autorização específica, exames psicológicos, provas escritas e inspeções regulares da polícia. A legislação não visa proteger direitos individuais, mas manter o status de um Estado altamente controlador.
A população, condicionada por gerações a obedecer e confiar na autoridade do Estado, simplesmente aceita esse controle. O desarmamento é um sintoma, não uma causa, da ausência de rebelião.

A queda da violência veio com a rendição, não com o desarmamento
Após a derrota em 1945, o Japão foi forçado a assinar uma rendição incondicional. A destruição causada pelas bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki não apenas matou cerca de 200 mil pessoas — também causou uma comoção psicológica sem precedentes.
Sob ocupação americana, o Japão foi literalmente reescrito: sua Constituição foi redigida por estrangeiros, suas Forças Armadas abolidas, e o ensino passou a promover valores de obediência, conformismo e coletivismo.
A violência doméstica começou a cair não por causa da retirada de armas — mas por causa da destruição total do orgulho nacionalista, da desmilitarização forçada e da dependência econômica imposta pelos Estados Unidos.
Instituições como a polícia japonesa e o sistema educacional foram moldadas segundo padrões ocidentais de controle social, com um foco claro em impedir qualquer forma de radicalismo ou individualismo excessivo.
O medo de repetir os erros do passado transformou a sociedade japonesa em uma cultura de conformidade e vigilância. Armas não foram banidas porque causavam violência, mas porque o Estado não permitiria qualquer possibilidade de insurreição.

Os horrores esquecidos do militarismo japonês
O Japão foi um dos aliados formais da Alemanha nazista. O Eixo Tóquio-Berlim-Roma era uma aliança ideológica e militar, comprometida com a dominação de regiões inteiras do globo. E os japoneses cumpriram seu papel com uma brutalidade inigualável no oriente. A ideologia nacionalista radical japonesa, centrada na figura divina do imperador e na superioridade racial nipônica, motivou campanhas militares que destruíram populações inteiras.

O Massacre de Nanquim, cometido entre 1937 e 1938, foi um genocídio de proporções colossais. Estima-se que entre 200 mil e 300 mil civis chineses foram mortos em apenas seis semanas. Mulheres foram estupradas em massa — muitas vezes na frente de suas famílias — e depois mutiladas ou executadas. Crianças foram lançadas vivas em fogueiras ou despedaçadas por soldados. Os corpos enchiam os rios e valas da cidade. Os próprios oficiais japoneses incentivavam esse comportamento como forma de desumanizar o inimigo.

Há relatos e registros fotográficos de soldados realizando competições de decapitação, usando civis como alvos. Uma das competições mais infames, publicada em jornais japoneses da época como uma façanha heróica, envolvia dois oficiais disputando quem cortava mais cabeças com a katana antes de chegar a cem. Também é comprovado o uso de bebês chineses em treinos de baioneta, com soldados cravando as lâminas em seus corpos ainda vivos.

Outro episódio macabro foi protagonizado pela Unidade 731, um centro de pesquisa secreto do Exército Imperial Japonês que operava na Manchúria. Ali, médicos e cientistas conduziam experiências atrozes: amputações sem anestesia, injeções de vírus letais, congelamento de membros para testes de gangrena, dissecação de pessoas vivas. As vítimas eram chineses, coreanos, russos e até prisioneiros ocidentais. Calcula-se que mais de 10 mil pessoas morreram como cobaias humanas, e a maioria dos responsáveis jamais foi punida, tendo sido absorvida por programas de pesquisa norte-americanos após a guerra.

A política de dominação sexual também foi sistemática. Cerca de 200 mil mulheres e meninas — conhecidas como “mulheres de conforto” — foram sequestradas ou enganadas e transformadas em escravas sexuais para o Exército Imperial. Muitas foram estupradas dezenas de vezes por dia, espancadas e descartadas ao ficarem doentes. Esse sistema operava em bordéis militares por toda a Ásia, com aval oficial. O sofrimento dessas mulheres, até hoje, é motivo de tensões diplomáticas entre o Japão e países como Coreia do Sul e Filipinas.
Outros massacres igualmente brutais ocorreram em Manila (Filipinas), em 1945, quando tropas japonesas assassinaram mais de 100 mil civis na capital filipina em retaliação pela aproximação das tropas aliadas. Crianças foram arremessadas contra paredes, igrejas incendiadas com fiéis dentro, hospitais invadidos por soldados que mutilavam pacientes. Esse foi um dos maiores massacres urbanos da Segunda Guerra Mundial, frequentemente esquecido pelo revisionismo histórico que tenta suavizar a imagem do Japão.

Prisioneiros de guerra ocidentais, capturados nas campanhas em Singapura, Birmânia e Ilhas do Pacífico, enfrentaram horrores semelhantes. Muitos morreram durante as marchas forçadas, como a Marcha da Morte de Bataan, onde cerca de 10 mil prisioneiros americanos e filipinos foram assassinados por exaustão, fome, sede ou execuções sumárias. Os que sobreviviam eram levados a campos onde eram submetidos a torturas, trabalhos forçados em minas e ferrovias, e condições subumanas.
Portanto, a imagem de um Japão tradicionalmente pacífico é uma construção artificial. Trata-se de uma nação com um passado marcado por genocídios, crueldade sistemática, fanatismo militar e desprezo absoluto pela vida humana alheia. Esse passado só foi interrompido pela força devastadora das bombas nucleares e pela ocupação estrangeira. E o desarmamento, nesse contexto, foi menos uma política de segurança e mais um componente da engenharia social imposta sobre um povo derrotado e traumatizado.
Essa é a cultura que foi quebrada com bombas nucleares, ocupada militarmente e desarmada — e não uma sociedade pacífica que espontaneamente abriu mão das armas.
O mito da segurança como resultado do desarmamento
Hoje o Japão apresenta taxas incrivelmente baixas de criminalidade. Em 2021, o índice de homicídios foi de 0,2 por 100 mil habitantes. Em contraste, os Estados Unidos tiveram 7,5. A Austrália, com leis também restritivas, teve 0,9. Mas isso não significa que a causa única seja o desarmamento.
A população japonesa está inserida em uma estrutura de controle social extremo. O sistema educacional reforça conformismo e disciplina desde a infância. A polícia local é altamente presente e goza de poderes amplos. A cultura é avessa ao questionamento de normas ou autoridade.
Mais do que isso: o Japão é uma das sociedades com maiores índices de suicídio entre jovens e idosos. Em 2020, foram mais de 21 mil suicídios registrados. A aparente paz esconde uma sociedade emocionalmente reprimida e sobrecarregada por pressões sociais.
O desarmamento civil não é a causa da paz japonesa, mas um efeito colateral da sua completa rendição e reorganização. A submissão à autoridade estatal e a ausência de pensamento crítico é o verdadeiro cimento da segurança aparente.
Portanto, quem aponta o Japão como exemplo para desarmar brasileiros ou qualquer outro povo, não está defendendo a paz — está defendendo a submissão. E talvez, sem perceber, esteja sendo manipulado por uma narrativa que omite tudo aquilo que o povo japonês perdeu para se tornar “seguro”.
Lucas, você não está desrespeitando o Japão? O Japão não é um bom país?

Essa é uma pergunta importante, e a resposta é clara: não, este texto não é uma crítica ao Japão como nação atual, mas sim uma análise histórica de como o desarmamento foi implementado em um contexto de dominação e trauma coletivo. O Japão moderno, ao contrário de seu passado imperialista, é hoje um exemplo de desenvolvimento, ordem e civilidade.
O Japão possui uma das populações mais educadas do planeta. Segundo a OCDE, mais de 60% dos japoneses entre 25 e 34 anos possuem ensino superior completo. A alfabetização é universal e a média de desempenho em leitura, matemática e ciências no PISA é consistentemente superior à média global.
Trata-se também de uma das sociedades mais organizadas e disciplinadas. A taxa de desemprego é baixíssima (em torno de 2,6% em 2023) e os índices de corrupção são entre os mais baixos do mundo, segundo a Transparência Internacional. As ruas são limpas, o transporte público funciona e o civismo é visível no cotidiano.
Do ponto de vista social, o Japão é também um país altamente conservador. A maioria da população rejeita políticas progressistas agressivas, como legalização de drogas, aborto irrestrito e ideologia de gênero. A estrutura familiar tradicional é fortemente preservada, e há um respeito inegociável por figuras de autoridade, pelos idosos e pelas tradições.
Apesar da maioria da população praticar o xintoísmo e o budismo, o cristianismo, embora minoritário, tem presença viva e crescente no país. Estima-se que haja cerca de 1% de cristãos no Japão — o que pode parecer pouco, mas representa mais de um milhão de pessoas. Essas comunidades são ativas, resilientes e profundamente envolvidas em ações sociais e de caridade.
O respeito à propriedade privada e ao trabalho também são marcas culturais do Japão contemporâneo. A taxa de homicídio continua uma das menores do mundo, não porque o povo seja “desarmado”, mas porque a coesão social, a estabilidade institucional e o apego à ordem são pilares do comportamento japonês.


Mesmo diante de décadas de estagnação econômica e crises demográficas, o Japão nunca abraçou o populismo de esquerda. A política fiscal é rígida, o controle da dívida é discutido seriamente e há uma desconfiança saudável do Estado entre muitas camadas conservadoras da população.
Além disso, o Japão é um dos poucos países desenvolvidos que ainda resiste a pressões internacionais para se alinhar com pautas progressistas ocidentais. A cultura popular japonesa valoriza a honra, o dever, a coragem, a perseverança — e não o hedonismo, a permissividade ou a banalização da moral.
Por tudo isso, criticar os erros históricos do Japão imperial não é, de forma alguma, desrespeitar o Japão atual. Pelo contrário: é reconhecer que aquele povo, mesmo diante de tanta dor e humilhação, foi capaz de se reconstruir com dignidade, disciplina e, em muitos aspectos, valores muito mais próximos do conservadorismo do que qualquer outra nação moderna.
Dizer a verdade sobre o passado é também uma forma de honrar quem soube fazer melhor no presente.
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