Há cenas que dizem mais sobre um país do que qualquer discurso político. Um pai de família, depois de uma vida inteira de trabalho, enfim quita o último boleto da casa que construiu. Ele a ergueu tijolo por tijolo, aos fins de semana, enquanto os filhos pequenos brincavam na calçada. Mas, meses depois, chega o carnê colorido, timbrado pela prefeitura: IPTU. Um lembrete elegante de que, mesmo depois de pagar por tudo, ele ainda deve. Se não pagar, perde o que é dele. E se pagar, continuará devendo no ano seguinte. Essa é a realidade do Brasil: um país onde a propriedade privada é tolerada, mas nunca respeitada. O IPTU não é apenas um imposto. É um símbolo — a assinatura de que a sua liberdade é condicional, e de que sua casa pertence, em última instância, ao Estado.
Criado sob o argumento de financiar os serviços públicos municipais, o Imposto Predial e Territorial Urbano foi inscrito na Constituição Federal de 1988 como um tributo devido por todos os proprietários de imóveis urbanos. Na teoria, a arrecadação deveria custear obras e melhorias; na prática, tornou-se uma ferramenta de extorsão regularizada, cobrada sem vínculo algum com qualquer benefício concreto. O valor cobrado não é calculado com base na renda, mas sim sobre um número fictício, o “valor venal”, estimado unilateralmente pelo poder público. O cidadão que discorda precisa entrar com recurso — e, na maioria das vezes, perde. Assim, a prefeitura transforma o direito de morar em uma dívida perpétua.
Em essência, o IPTU funciona como um aluguel disfarçado. O cidadão é forçado a pagar para continuar vivendo no imóvel que já comprou, já registrou e já financiou. Se não paga, o governo o executa judicialmente e o despeja — como faria um senhorio, mas sem qualquer risco de punição moral. É o aluguel da servidão moderna: o valor que se paga para não ser expulso do próprio lar. E o mais perverso é que o imposto recai sobre os mesmos cidadãos que já foram tributados em todas as etapas anteriores. Pagam impostos na compra do terreno, na escritura, na construção, nos materiais, nos móveis — e, depois de tudo isso, continuam pagando para manter o que é seu. A cada boleto, o Estado reafirma a mensagem: “você nunca é dono de nada, apenas um inquilino tolerado.”
Essa lógica é incompatível com qualquer noção de liberdade. Do ponto de vista libertário, o Estado não tem legitimidade moral para cobrar o que não entrega, nem autoridade para confiscar sob o pretexto de “função social”. A propriedade é um direito natural — anterior a qualquer constituição, e derivado diretamente do direito à vida e ao trabalho. O homem tem direito de possuir o fruto de seu esforço, e qualquer instituição que interfira nisso pratica agressão.
Os defensores do IPTU justificam sua existência com o discurso de que o imposto garante a “função social da propriedade”. Mas o que é essa tal função social? É um conceito elástico, subjetivo, que permite ao governo decidir, conforme a conveniência do momento, se a sua casa cumpre ou não o papel “adequado” na cidade. Se o imóvel não se encaixa no planejamento urbano, se é “subutilizado”, ou se o prefeito deseja outra destinação para a área, o proprietário é penalizado. É uma inversão completa da ordem moral: a casa deixa de ser seu lar e passa a ser um instrumento de política pública. A “função social” é a roupagem moral do confisco. É a linguagem elegante que o Estado usa para justificar o roubo legalizado. Diz servir ao bem comum, mas o que produz, na prática, é o medo: medo de investir, medo de reformar, medo de perder o que se conquistou.
Não há moralidade possível quando um homem precisa pagar para exercer um direito natural. Santo Tomás de Aquino ensinava que a propriedade é uma extensão da pessoa e que possuí-la é necessário para o exercício da virtude da caridade. Sem propriedade, o homem se torna dependente — e um povo dependente não é livre para praticar o bem. Por isso, um Estado que tributa a moradia não está cuidando dos pobres, mas criando mais pobres.
O discurso oficial fala em “justiça fiscal”. Mas que justiça existe quando o aposentado que vive de uma pensão paga o mesmo que o especulador milionário do centro urbano? O IPTU ignora a realidade de quem mora em bairros sem asfalto, sem iluminação, sem saneamento, e ainda assim é cobrado pelo privilégio de existir dentro dos limites do município. O valor venal é o instrumento de tortura matemática da burocracia. A prefeitura o infla para arrecadar mais, e o contribuinte paga caro por uma fantasia contábil. A cada reajuste, famílias inteiras são empurradas para o endividamento ou para a venda forçada de suas casas.
O efeito econômico disso é devastador. O IPTU desestimula o investimento e a conservação dos imóveis. Quem reforma, quem constrói, quem melhora, paga mais. O resultado é uma cidade que se deteriora lentamente, porque o Estado pune quem tenta cuidar do que é seu. Enquanto isso, os recursos arrecadados desaparecem em folhas de pagamento, contratos superfaturados e estruturas políticas inchadas. E se o cidadão ousa questionar, é chamado de “egoísta”, “individualista” ou “inimigo do social”. Mas o verdadeiro egoísmo está em quem vive da produção alheia e cobra, pela força, o que não criou.
Na doutrina libertária, o princípio da não agressão é sagrado: ninguém tem o direito de usar a força para obter o que deseja. Ora, o que é o IPTU senão o uso sistemático da coerção? O Estado ameaça, multa, executa e toma — tudo em nome da “lei”. Mas uma lei injusta não se torna justa por estar escrita. A imoralidade do roubo não desaparece quando o ladrão veste terno e carrega um brasão.
Do ponto de vista moral e teológico, a questão é ainda mais grave. O catolicismo ensina que os impostos são legítimos somente quando usados para o bem comum e cobrados de forma proporcional e justa. Quando se tornam instrumento de espoliação, perdem sua legitimidade moral. O Catecismo é claro: o fiel deve contribuir para o bem da sociedade, mas jamais é obrigado a sustentar um sistema injusto ou abusivo. Um governo que confisca sob o pretexto de servir está, na verdade, usurpando a autoridade divina.
A subsidiariedade, princípio central da Doutrina Social da Igreja, ensina que o Estado só deve intervir quando o indivíduo ou a comunidade não podem agir por si mesmos. Mas o IPTU faz o oposto: substitui a responsabilidade pessoal pela dependência estatal. Retira do homem o domínio sobre seu lar e o submete à arbitrariedade política. É o pecado da soberba institucionalizado — o governo se colocando no lugar de Deus como provedor e senhor das posses humanas.
O resultado é um ciclo de medo e servidão. O cidadão paga não por amor à cidade, mas por pavor da execução fiscal. Vive sob constante ameaça, sabendo que o título de propriedade que guarda na gaveta é apenas um papel frágil, sujeito à caneta de um burocrata. E assim se perpetua a maior mentira da modernidade: a de que o Estado é o protetor da propriedade, quando na verdade é seu principal inimigo.
Há, contudo, uma saída moral. Não se trata de revolta desordenada, mas de reconstrução da justiça. Um povo cristão e livre deve lutar para restaurar o direito natural de propriedade e limitar o poder confiscatório do Estado. A reforma deve começar nas cidades: exigir transparência, limitar alíquotas, rever valores venais e impedir que o governo use o IPTU como ferramenta de controle social. A verdadeira justiça começa quando o cidadão diz “basta” e se recusa a financiar sua própria submissão.
O lar é mais do que um imóvel — é o altar doméstico. É onde se forma o caráter, onde se educa para a fé, onde se aprende a amar e a servir. Quando o Estado tributa o lar, ele invade o sagrado. Transforma a casa em fonte de lucro e a família em refém. É a profanação do espaço que deveria ser inviolável. E o cristão não pode permanecer em silêncio diante disso. Defender o direito à propriedade é defender o espaço onde o amor floresce. É um ato de fé, de resistência e de caridade.
No fim, o IPTU revela o que o Brasil realmente é: um país onde o cidadão é proprietário de papel, e o governo, dono de tudo o que importa. A cada boleto pago, reafirmamos nossa servidão; a cada resistência, reafirmamos nossa humanidade. Enquanto houver quem lute por sua casa, haverá esperança de liberdade. Porque nenhuma sociedade será livre enquanto um homem precisar pagar para dormir sob o próprio teto.

ATENÇÃO!
Não dependa do algoritmo das redes sociais para se manter informado. A censura nas plataformas está cada vez mais comum no Brasil — e a melhor forma de garantir que você continue recebendo nossos conteúdos é diretamente no seu e-mail. Inscreva-se agora na nossa newsletter e receba análises, alertas e informações exclusivas, sem filtros e sem interferências. Esteja sempre um passo à frente na defesa da sua liberdade.
