
SILVEIRA, Lucas (Instituto DEFESA, Academia Brasileira de Armas)
Resumo
O presente artigo analisa a narrativa desarmamentista que busca associar a figura do Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) ao crime organizado, em especial às facções Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). Partindo da premissa de que a liberdade de acesso às armas constitui direito natural inalienável, argumenta-se que a existência da categoria “CAC” já representa uma indevida interferência estatal na esfera de direitos individuais. Metodologicamente, realiza-se levantamento exploratório em fontes oficiais e jornalísticas de grande circulação, restringindo-se a casos com comprovação institucional. O estudo demonstra que não existem dados governamentais consolidados sobre o tema, sendo encontradas apenas seis ocorrências verificáveis entre 2024 e 2025. Frente a um universo de aproximadamente 950 a 980 mil CACs, tais casos correspondem a uma incidência estatisticamente irrelevante (≈0,0006%). A discussão aponta que a narrativa desarmamentista se vale da exceção para justificar o controle de milhões de cidadãos cumpridores da lei, reiterando a importância de compreender a liberdade de acesso às armas como direito humano fundamental.
Palavras-chave: liberdade de acesso às armas; CAC; PCC; Comando Vermelho; desarmamento; narrativa política.
Introdução
A questão do acesso civil às armas de fogo tem sido tema central nas disputas políticas contemporâneas no Brasil. A figura do CAC – Colecionador, Atirador desportivo e Caçador – tornou-se um mecanismo jurídico-administrativo através do qual cidadãos podem exercer, ainda que de forma limitada, o direito de adquirir e portar armas. Criada e regulada pelo Estado, essa categoria traz consigo tanto a oportunidade de prática esportiva e cultural quanto a marca da vigilância estatal sobre indivíduos que buscam exercer sua liberdade.
Nos últimos anos, a narrativa desarmamentista intensificou seus esforços em associar os CACs ao crime organizado. Manchetes de jornal e declarações políticas têm explorado casos isolados em que indivíduos com registro de CAC foram presos por colaborar, supostamente, com facções criminosas como o PCC e o CV. Esse discurso opera no campo simbólico, visando transformar a exceção em regra e fragilizar o apoio popular à liberdade de acesso às armas.
O presente artigo busca desconstruir essa narrativa, analisando criticamente as evidências disponíveis e contrapondo-as ao universo real de CACs no Brasil. Adota-se a hipótese de que não há dados oficiais consolidados que sustentem a tese de que CACs abastecem o crime organizado, e de que a incidência de casos confirmados é estatisticamente irrelevante. Além disso, propõe-se um debate normativo: mesmo a figura do CAC, por si só, já é expressão de um regime de exceção, pois submete um direito natural à autorização estatal.
Fundamentação teórica
A liberdade de acesso às armas, conforme argumenta Kopel (1992), é inerente à noção de autodefesa e inseparável da dignidade humana. Locke (1689/1988) já apontava que os direitos naturais à vida e à liberdade pressupõem os meios para defendê-los. A restrição estatal, ao exigir registros, certificados e autorizações, cria um sistema de controle que atinge principalmente cidadãos de bem, sem impactar significativamente o crime organizado.
No Brasil, a categoria de CAC emergiu como solução intermediária dentro do arcabouço do Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826/2003). Embora tenha possibilitado a prática esportiva e cultural, também gerou um mecanismo de vigilância permanente. A crítica do Instituto DEFESA é que qualquer sistema de autorização prévia constitui violação da liberdade plena, pois transfere ao Estado o poder de conceder ou negar um direito natural.
Sob essa perspectiva, a tentativa de associar CACs a facções criminosas é funcional para os desarmamentistas: ao fragilizar a imagem pública dessa categoria, cria-se ambiente político favorável a restrições ainda maiores.
Metodologia
A pesquisa adotou caráter exploratório, com duas etapas principais:
- Levantamento documental – buscou-se em veículos de imprensa de grande circulação (como G1, Estadão, UOL, CNN Brasil) reportagens que mencionassem explicitamente CACs envolvidos em operações contra facções criminosas.
- Cruzamento institucional – verificou-se, sempre que possível, a existência de comunicados oficiais da Polícia Federal, do Ministério Público ou de Secretarias Estaduais de Segurança confirmando tais ocorrências.
Critérios de inclusão: apenas casos com prova de lastro institucional (nome da operação, nota oficial ou investigação judicial em curso).
Critérios de exclusão: relatos de redes sociais, matérias opinativas sem fonte primária e notícias sem menção direta a CAC.
Essa metodologia limita-se a construir um quadro mínimo, não abrangendo investigações em sigilo ou processos ainda não publicizados. A pesquisa foi feita em 23 de setembro de 2025 e levou em consideração os dados disponíveis até então.
Resultados
Foram identificados seis casos com comprovação institucional entre 2024 e 2025:
- Operação BAAL (2024) – deflagrada pela Polícia Federal em São Paulo, com foco no “novo cangaço”. Envolvimento de CACs no fornecimento de armas e munições, além de treinamentos a integrantes do PCC.
- BAAL – 2ª fase (2024) – vídeos revelam CAC ministrando instrução de tiro de fuzil a membros de facção.
- Caso Ricardo Bekeredjian (2024, SP) – mantinha 87 armas em bunker, utilizando-se do registro CAC para disfarçar movimentação ilícita.
- Caso Renan Rangel Pinheiro (2025, RJ) – CAC que movimentou mais de R$ 600 mil em armas e munições, revendendo a organizações criminosas.
- Operação Desvio Bélico (2025, BA) – CAC preso após vender fuzil a líder de facção, com apreensão de R$ 380 mil e US$ 10 mil.
- Casos complementares da BAAL (2024-2025) – investigações confirmaram treinamento e fornecimento contínuo por parte de indivíduos com registro de CAC.
Em paralelo, dados oficiais apontam para um universo de 950 a 980 mil CACs ativos em 2025 (Polícia Federal, 2025). A relação entre casos confirmados e universo total resulta em incidência aproximada de 0,0006%, ou seja, um caso a cada 160 mil CACs.

O gráfico de barras exposto evidencia de maneira quantitativa a relação entre o número de CACs confirmadamente envolvidos em conluio com facções criminosas e o universo total de registros de Colecionadores, Atiradores e Caçadores no Brasil. Observa-se que a barra correspondente aos seis casos identificados entre os anos de 2024 e 2025 apresenta-se praticamente imperceptível quando comparada à barra que representa o total de aproximadamente 950 mil CACs ativos. Tal disparidade visual ilustra de forma inequívoca a dimensão estatisticamente irrelevante dos casos confirmados frente ao conjunto da categoria.
Do ponto de vista analítico, o gráfico reforça a conclusão de que a narrativa que associa o segmento de CACs ao crime organizado carece de sustentação empírica. A proporção calculada, de aproximadamente 0,0006%, revela-se insuficiente para caracterizar uma tendência estrutural, configurando-se antes como ocorrência pontual. Nesse sentido, a utilização da exceção como parâmetro para elaboração de políticas públicas ou como argumento para a ampliação de restrições legais mostra-se metodologicamente inadequada e politicamente enviesada.
Adicionalmente, a representação gráfica permite problematizar a construção discursiva dos desarmamentistas. Ao se apoiar em casos isolados e amplamente divulgados pela mídia, tais narrativas induzem a generalizações precipitadas que não resistem a uma avaliação baseada em dados. A visualização estatística, ao contrário, possibilita compreender que a imensa maioria dos CACs não mantém qualquer relação com práticas criminosas, evidenciando que a associação entre CAC e facção criminosa constitui uma falácia de generalização indevida.
Discussão
Os resultados confirmam a hipótese inicial: não existem dados oficiais consolidados que sustentem a associação entre CACs e facções criminosas. O que há são apenas casos pontuais, amplificados pela mídia e explorados politicamente pelos desarmamentistas.
Do ponto de vista estatístico, a incidência é irrelevante. Mesmo que considerássemos uma subnotificação elevada, os números permaneceriam baixos em comparação com outras categorias profissionais em que desvios individuais também ocorrem (médicos, advogados, policiais).
A narrativa desarmamentista, portanto, não se fundamenta em dados, mas em casos de exceção utilizados como justificativa para ampliar o controle estatal. Essa lógica constitui um exemplo clássico de falácia da generalização apressada.
Além disso, o próprio conceito de CAC é criticável. Ele representa uma concessão do Estado e não uma garantia de liberdade. O ideal defendido pelo Instituto DEFESA é a plena liberdade de acesso às armas, sem necessidade de registro, CR ou autorização prévia.
Conclusão
A análise dos dados disponíveis demonstra que a associação entre CACs e facções criminosas constitui uma narrativa política desprovida de lastro estatístico. Apenas seis casos confirmados foram encontrados em um universo de quase um milhão de registros, o que representa incidência desprezível.
Dessa forma, a tentativa de vincular CACs ao crime organizado não resiste ao exame científico. Trata-se de estratégia discursiva voltada a fragilizar a legitimidade da luta pela liberdade de acesso às armas no Brasil.
O artigo reforça a necessidade de compreender o direito às armas como direito humano fundamental, não sujeito a concessão ou autorização estatal. Enquanto persistirem figuras como o CAC, haverá sempre espaço para narrativas manipuladoras. O verdadeiro caminho é a plena liberdade: o cidadão livre não deve pedir licença para ser livre.
Referências
- Brasil. (2003). Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Diário Oficial da União.
- Kopel, D. (1992). The Samurai, the Mountie, and the Cowboy: Should America Adopt the Gun Controls of Other Democracies? Buffalo: Prometheus Books.
- Locke, J. (1988). Two Treatises of Government (P. Laslett, Ed.). Cambridge: Cambridge University Press. (Trabalho original publicado em 1689)
- Polícia Federal. (2025). Painel de Fiscalização de CACs. Brasília: PF.
- UOL. (2024). “PF prende CACs em operação contra o PCC”. São Paulo: UOL Notícias.
- Gazeta do Povo. (2025). “PF passa a fiscalizar mais de 950 mil CACs”. Curitiba: Gazeta do Povo.
- CNN Brasil. (2025). “CAC preso por vender fuzil a líder de facção na Bahia”. São Paulo: CNN
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