
A Constituição Federal de 1988 é, até hoje, tratada por muitos como um marco democrático e civilizatório na história recente do Brasil. É chamada de “Constituição Cidadã”, um apelido pomposo dado por Ulysses Guimarães que a vende como um instrumento de proteção ao povo contra os abusos do poder. Mas, passadas mais de três décadas, o que se vê é exatamente o contrário: essa Constituição foi, na prática, a maior arma usada contra a verdadeira liberdade do cidadão brasileiro.
A elaboração da Constituição de 1988 não foi feita por representantes livres da vontade popular, mas por uma assembleia constituinte formada em meio à redemocratização, com forte influência de grupos ideológicos estatizantes, progressistas e com viés coletivista. Como observa o jurista Ives Gandra da Silva Martins, “a Constituição de 88 não foi pensada para limitar o Estado, mas para ampliá-lo, criando um modelo de welfare state sem os recursos e a mentalidade necessária para sustentá-lo”.
Em vez de limitar o poder do Estado, a Constituição de 1988 expandiu esse poder de forma quase ilimitada. Seu texto é excessivamente detalhado, invasivo e controlador, cobrindo assuntos que em democracias mais sólidas seriam tratados por legislações ordinárias, flexíveis e mais sujeitas à vontade popular através do Parlamento. O constitucionalista José Afonso da Silva chega a admitir que a Constituição é “extensa, analítica, programática e, por isso, muitas vezes impraticável”.
Ao contrário de constituições concisas, como a dos Estados Unidos — com sete artigos e 27 emendas —, a Constituição brasileira possui mais de 250 artigos e centenas de dispositivos transitórios. Isso impede mudanças rápidas e efetivas diante de novas demandas sociais e políticas, e engessa o país em um modelo ultrapassado e estatizante. Roberto Campos já alertava: “A Constituição de 88 é um amontoado de boas intenções, mal organizadas, que nos condena à ingovernabilidade”.
A Constituição de 88 é apresentada como garantidora de “direitos fundamentais”, organizados academicamente em cinco gerações: direitos de primeira geração (liberdades civis), segunda geração (direitos sociais), terceira geração (difusos e coletivos), quarta (informação e biotecnologia) e quinta (solidariedade global). Mas, na prática, essas “gerações de direitos” funcionam como amarras, e não como garantias de liberdade. Como aponta Norberto Bobbio, as gerações de direitos são cumulativas, e sua expansão constante pode gerar uma hipertrofia estatal sem lastro real.
Os direitos de segunda, terceira, quarta e quinta geração não são direitos no sentido clássico — como propriedade, defesa, vida e liberdade. Eles são obrigações impostas ao cidadão via o Estado, que para cumpri-las cobra uma carga tributária sufocante e controla todos os aspectos da vida social, educacional, econômica e até mesmo moral do indivíduo. Como alerta o economista Ludwig von Mises, “quando o governo assume a responsabilidade por todos os aspectos da vida do cidadão, a liberdade se torna uma ilusão”.
É a promessa do “direito à saúde”, “direito à moradia”, “direito ao lazer”, “direito à cultura”, “direito à felicidade”, “direito ao transporte”, e tantos outros “direitos mágicos”, que se traduzem, invariavelmente, em mais impostos, mais servidores, mais regulações e menos liberdade. O custo disso recai sobre o trabalhador, o empreendedor e o cidadão produtivo — justamente aquele que deveria ser protegido.
Por outro lado, o que realmente deveria ser garantido pelo texto constitucional — a autodefesa, a liberdade de expressão, a propriedade privada inalienável, o direito de resistência — são constantemente relativizados, reinterpretados ou ignorados por ministros, parlamentares e promotores. Não há nenhum artigo claro e objetivo sobre o direito do cidadão de possuir armas para sua legítima defesa. Isso não é um descuido: é um projeto. O jurista Fábio Konder Comparato já reconheceu que o povo brasileiro é culturalmente visto como “incapaz de se autogovernar”, e a Constituição reflete essa mentalidade tutelar.

Quanto maior a Constituição, menor a liberdade
O gráfico apresentado mostra uma correlação entre o tamanho das constituições nacionais (em número aproximado de palavras) e o índice de liberdade econômica, conforme os dados mais recentes da Heritage Foundation (2024). Foram analisados cerca de 40 países de diferentes continentes, com realidades jurídicas, econômicas e políticas bastante distintas. A linha de tendência evidencia uma correlação negativa moderada: países com constituições mais enxutas tendem a apresentar índices mais altos de liberdade econômica, enquanto constituições mais extensas aparecem associadas a níveis de liberdade significativamente mais baixos.
Os dados sobre o tamanho das constituições foram obtidos a partir do Comparative Constitutions Project (https://comparativeconstitutionsproject.org), que mede o número de palavras dos textos constitucionais em vigor. Esse projeto acadêmico internacional tem como objetivo analisar a estrutura, o conteúdo e a extensão das constituições no mundo. Por outro lado, o índice de liberdade econômica utilizado é o publicado anualmente pela Heritage Foundation, uma organização norte-americana que classifica os países de acordo com indicadores como liberdade fiscal, integridade governamental, direitos de propriedade, liberdade de negócios e comércio.
Países como os Estados Unidos, Suíça e Nova Zelândia, cujas constituições possuem entre 7 mil e 11 mil palavras, apresentam altos índices de liberdade, acima de 83 pontos. Já países como Índia, Brasil, Venezuela e Nigéria, com textos constitucionais entre 50 mil e 145 mil palavras, estão posicionados na metade inferior da escala de liberdade, sendo que casos como o da Venezuela figuram nas piores posições. Isso sugere que constituições longas, que tentam regulamentar detalhadamente todas as esferas da vida pública e privada, frequentemente acabam promovendo o intervencionismo estatal, o excesso de burocracia e a centralização do poder.
Essa constatação confirma a crítica de pensadores como Roberto Campos, que chamou a Constituição de 1988 de “um amontoado de boas intenções, mal organizadas”, e Friedrich Hayek, que advertia para os perigos do planejamento centralizado como caminho para a servidão. Constituições extensas tendem a oferecer uma miríade de “direitos” que exigem aparato estatal para sua implementação, o que invariavelmente demanda mais impostos, mais regulação e menos liberdade individual. Por outro lado, constituições mais enxutas geralmente se concentram em proteger os direitos naturais — vida, liberdade, propriedade — e em limitar o poder do Estado, e não em expandi-lo.
Portanto, o gráfico não apenas visualiza essa tendência como também reforça a crítica à Constituição Brasileira de 1988, um dos textos mais extensos do mundo, com mais de 67 mil palavras, mas que não garante ao cidadão brasileiro os direitos fundamentais de defesa, liberdade econômica plena ou proteção contra o arbítrio estatal. Em vez disso, cria obrigações, tributos e entraves à livre iniciativa. O estudo evidencia que constituições menores tendem a proteger melhor a liberdade do cidadão — ao contrário do que ocorre em textos legislativos que tentam regular até o comportamento moral e o consumo doméstico da população.
Enquanto isso, o Estado brasileiro se fortaleceu com base em interpretações ideológicas do texto constitucional, consolidando um sistema de privilégios para seus próprios agentes, criando castas de funcionários públicos protegidos por estabilidade, aposentadorias especiais, foro privilegiado e outras benesses incompatíveis com qualquer regime que se diga democrático. Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, já havia denunciado esse patrimonialismo enraizado na elite burocrática brasileira.
Além disso, a Constituição de 88 elevou o Poder Judiciário a uma condição quase divina. Os tribunais superiores, especialmente o STF, se tornaram verdadeiros legisladores da nação, interpretando a Carta Magna segundo a conveniência política do momento, muitas vezes contrariando a vontade popular expressa nas urnas. Alexandre de Moraes, irônica e tragicamente, escreveu em sua obra sobre Direito Constitucional que o STF é o “guardião da Constituição”, mas esse guardião virou carcereiro da liberdade.
Essa hipertrofia do Judiciário não é acidental. A própria Constituição construiu esse monstro, ao dar a ele status de guardião do texto constitucional — sem prever mecanismos claros de controle e punição para seus abusos. O resultado é um Brasil onde os juízes decidem o que é moral, legal e até mesmo científico, acima da soberania do povo.
A liberdade econômica também foi diretamente atingida. A Constituição de 1988 impede a livre iniciativa ao submeter toda atividade privada à autorização e à regulação do Estado. Milton Friedman já dizia: “A sociedade que coloca a igualdade acima da liberdade terminará com nenhuma das duas”. O Brasil é um retrato vivo disso.
A educação, que deveria ser livre e plural, foi estatizada e ideologizada. A saúde, prometida como universal e gratuita, é um caos. A segurança, que deveria ser um dever do Estado e um direito do cidadão, é seletivamente aplicada: o cidadão desarmado paga impostos e é preso por reagir à violência, enquanto bandidos são tratados como vítimas da sociedade.
A Constituição de 1988 impõe um modelo de “sociedade ideal” centralmente planejada, como um manual de engenharia social, baseado na ideia de que o Estado sabe mais do que o cidadão. O povo vira massa de manobra e o político, o juiz e o burocrata viram pastores de um rebanho domesticado. Como já advertia Hayek, “planejamento centralizado é o caminho para a servidão”.
Mesmo os dispositivos que tratam de liberdade, como o artigo 5º, estão cercados de condicionantes. O direito à liberdade de expressão, por exemplo, é condicionado ao “respeito aos direitos dos outros”, um conceito vago e perigoso, que tem sido usado como desculpa para censura, perseguição ideológica e controle da opinião pública. Karl Popper alertava: “Aqueles que prometem liberdade plena a todos frequentemente terminam suprimindo a liberdade de muitos”.

Outro problema é a centralização extrema do poder em Brasília. A Constituição esvaziou as autonomias municipais e estaduais ao concentrar competências e recursos no governo federal, criando um sistema federativo fictício e tornando o cidadão ainda mais distante das decisões que afetam sua vida.
O resultado final é um Brasil em que o cidadão tem uma longa lista de “direitos” no papel, mas vive como servo. Um país onde se promete tudo, se entrega nada, e se cobra muito. Onde a Constituição serve como ferramenta de opressão, e não como escudo de proteção.
A verdadeira liberdade nasce da limitação do poder estatal, da descentralização do poder, do direito à autodefesa, da liberdade econômica, da liberdade de pensamento, da desobediência civil e do direito de dizer “não” ao governo. Nenhum desses valores está protegido pela Constituição de 1988.
Portanto, se quisermos recuperar a liberdade no Brasil, é necessário reconhecer que a Constituição Federal de 1988 não é nossa aliada. Ela é a base jurídica de um sistema que mantém o povo acorrentado sob o pretexto de protegê-lo. Como bem afirmou Thomas Jefferson, “quando as leis são tão volumosas que ninguém pode entendê-las, o povo não é mais livre”.
O primeiro passo é parar de idolatrá-la. O segundo é expor suas falácias. E o terceiro — mais difícil e mais importante — é construir um novo pacto político, baseado em liberdade real, responsabilidade individual e limitação efetiva do Estado. Enquanto isso não for feito, o brasileiro continuará pagando caro por uma falsa liberdade escrita em papel reciclado.
Referências
Bobbio, N. (1992). A era dos direitos (L. A. de Araújo, Trad.). Campus. (Obra original publicada em 1990)
Campos, R. (1994). Lanterna na popa: memórias. Topbooks.
Comparato, F. K. (2006). Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. Companhia das Letras.
Faoro, R. (2001). Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. Globo.
Friedman, M. (1984). Capitalismo e liberdade (D. de M. Andrade, Trad.). Abril Cultural. (Obra original publicada em 1962)
Gandra da Silva Martins, I. (2016). A Constituição e o Supremo. Saraiva.
Hayek, F. A. (2010). O caminho da servidão (D. Sant’Anna, Trad.). Instituto Liberal. (Obra original publicada em 1944)
Jefferson, T. (n.d.). The writings of Thomas Jefferson. Library of America. (Frase atribuída em cartas e discursos políticos; obra de domínio público)
Mises, L. von. (2010). A mentalidade anticapitalista (F. M. Ugolini, Trad.). Instituto Ludwig von Mises Brasil. (Obra original publicada em 1956)
Moraes, A. de. (várias edições). Direito constitucional. Atlas.
Popper, K. (1987). A sociedade aberta e seus inimigos (M. B. P. Ramos, Trad.). Itatiaia. (Obra original publicada em 1945)
Silva, J. A. da. (várias edições). Curso de direito constitucional positivo. Malheiros
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