
A ideia de universidade está tão enraizada na vida moderna que muitas vezes esquecemos suas origens. Hoje, as universidades são vistas como instituições seculares, financiadas pelo governo ou de caráter privado. Mas se voltarmos o olhar para a história, descobriremos que o sistema universitário moderno tem suas raízes firmemente plantadas na Igreja Católica.
A palavra “universidade” vem do latim. A expressão universitas magistrorum et scholarium significa “comunidade de mestres e estudantes”. Não se tratava apenas de um prédio, mas de um corpo corporativo de pessoas unidas com o objetivo do aprendizado superior. Essa foi uma criação única da Europa cristã medieval.
Antes do surgimento das universidades, os mosteiros e escolas catedrais eram os principais centros de educação no Ocidente. Após a queda do Império Romano, a alfabetização e a erudição praticamente desapareceram em muitas regiões. Os monges, no entanto, preservaram não apenas as Escrituras, mas também obras clássicas de filosofia, direito e medicina. Sem essa base, o desenvolvimento posterior das universidades teria sido impossível.
Um dos primeiros grandes exemplos foi a Universidade de Bolonha, fundada por volta de 1088. Bolonha especializou-se no estudo do direito — especialmente o direito romano e o direito canônico — e rapidamente tornou-se um polo de atração para estudantes de toda a Europa. O que a tornava única era sua organização: os estudantes agrupavam-se em “nações” conforme sua origem e até contratavam e remuneravam seus próprios professores.

Enquanto isso, na França, outro centro de aprendizado estava surgindo. A Universidade de Paris, que apareceu por volta de 1150, nasceu diretamente da escola da Catedral de Notre-Dame. Paris tornou-se famosa por seus debates teológicos e filosóficos, especialmente sob figuras como Pedro Abelardo e Tomás de Aquino. O reconhecimento papal concedeu à universidade autonomia, tornando-a um modelo para outras instituições.

Na Inglaterra, a Universidade de Oxford começou a se desenvolver no final do século XII. Muitos de seus acadêmicos haviam estudado em Paris, trazendo de volta métodos e tradições. Oxford logo rivalizou com Paris e, após conflitos com autoridades locais, alguns estudiosos deixaram Oxford e fundaram a Universidade de Cambridge, estabelecendo outro duradouro centro de aprendizado cristão.

Na Espanha, a Universidade de Salamanca, fundada em 1134 e oficialmente reconhecida em 1218, desempenhou um papel crucial na formação da vida intelectual ibérica. Como Paris e Bolonha, Salamanca prosperou sob autoridade papal, produzindo teólogos, juristas e filósofos que influenciaram tanto a Espanha quanto o mundo católico mais amplo.
O papado foi central nesse processo. Por meio de bulas papais, a Igreja concedia privilégios e proteções às universidades. A bula Parens Scientiarum, do Papa Gregório IX, em 1231, deu a Paris independência frente às autoridades locais e confirmou os direitos de seus acadêmicos. Essas cartas papais se tornaram modelo para universidades em toda a Europa.
A língua de instrução era o latim, a língua comum da Igreja. Isso permitia que um alemão estudasse na Itália, um espanhol na França ou um inglês na Espanha sem barreiras linguísticas. A universalidade da Igreja refletia-se na universalidade do latim.
As universidades eram normalmente organizadas em quatro faculdades: Artes, Teologia, Direito e Medicina. A Faculdade de Artes ensinava as sete artes liberais — gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, música e astronomia — como preparação para as faculdades superiores. A Teologia, a “rainha das ciências”, era considerada o ponto mais alto do saber, profundamente ligada à missão da Igreja.
Graus como bacharel, mestre e doutor também se originaram nesse contexto católico medieval. Eram, essencialmente, licenças para ensinar, concedidas pela autoridade da Igreja. O sistema de exames, disputas acadêmicas e até mesmo as vestes usadas até hoje vêm dessa época.
O método escolástico, defendido por teólogos como Tomás de Aquino, enfatizava a razão, o debate dialético e a análise sistemática. Longe de ser “anti-ciência”, a Igreja cultivava uma cultura de investigação racional dentro do quadro da fé. Essa tradição intelectual pavimentou o caminho para os desenvolvimentos científicos dos séculos posteriores.
É importante notar que as universidades eram corporações independentes, não controladas diretamente por reis ou príncipes locais. Sua autoridade vinha do Papa ou do Imperador. Essa autonomia permitia que florescessem, às vezes resistindo até a pressões seculares, e desenvolvessem sua identidade própria como comunidades de acadêmicos.
Com o tempo, universidades se multiplicaram. No século XIII, instituições já existiam em Nápoles, Pádua, Montpellier e Coimbra. Cada uma se especializava em diferentes disciplinas: direito em Bolonha, teologia em Paris, medicina em Montpellier e assim por diante. Mas a marca católica era visível em todas elas.
O impacto dessas universidades na civilização ocidental não pode ser superestimado. Elas formaram não apenas teólogos e padres, mas também juristas, médicos e administradores que moldaram a sociedade medieval. Seus graduados ocuparam tribunais, hospitais e governos, espalhando o conhecimento para além do claustro.
Muitos críticos afirmam que a Igreja se opôs à ciência. Contudo, a própria existência das universidades, criadas e protegidas pela Igreja, mostra o contrário. Foi dentro dessas instituições que a filosofia natural medieval — precursora da ciência moderna — foi cultivada. Figuras como Roger Bacon, Alberto Magno e Guilherme de Ockham foram produtos desse sistema.
Mesmo a revolução científica dos séculos XVI e XVII deve muito às universidades católicas. Copérnico, por exemplo, estudou em Bolonha e Pádua, ambas enraizadas na tradição da Igreja. O próprio Galileu foi educado por clérigos.
O papel da Igreja na educação também se estendeu além da Europa. Com a Era das Grandes Navegações, missionários católicos fundaram universidades nas Américas, como a Universidade de Santo Domingo (1538), a Universidade de San Marcos em Lima (1551) e a Universidade do México (1551). Essas instituições espalharam o modelo universitário por todo o mundo.
Embora as universidades modernas tenham se secularizado em grande parte, seu DNA permanece católico. A estrutura de faculdades, os graus, a noção de liberdade acadêmica e até a ideia de comunidade de acadêmicos vêm diretamente das instituições medievais da Igreja.
Esse legado nos lembra que a Igreja não foi apenas uma autoridade religiosa, mas também uma arquiteta cultural. Ao investir na educação, preservar o conhecimento e institucionalizar o aprendizado, a Igreja Católica garantiu que a Europa jamais perdesse contato com sua herança intelectual.
É claro que a influência da Igreja não foi isenta de controvérsias. Universidades às vezes entravam em conflito com bispos, reis ou até com o próprio Papa. Estudantes se revoltavam, professores desafiavam a ortodoxia e debates se tornavam acalorados. Ainda assim, essa tensão refletia a vitalidade do sistema criado pela Igreja.
O surgimento das universidades também teve consequências políticas. Advogados formados no direito canônico e romano deram aos governantes novas ferramentas de administração. Administradores formados no raciocínio escolástico introduziram maior racionalidade na política medieval. Nesse sentido, a Igreja indiretamente fomentou o fortalecimento dos Estados.
Ao longo dos séculos, a relação entre universidades e a Igreja evoluiu. Durante o Renascimento, o humanismo trouxe novas disciplinas ao currículo. Mais tarde, a Reforma e o Iluminismo provocaram conflitos e reformas. Mas mesmo quando as universidades se afastaram do controle eclesiástico, permaneceram em dívida com suas raízes católicas.
Hoje, ao caminhar pelos corredores de Oxford, Salamanca ou Bolonha, a marca medieval ainda é visível. Os claustros, os lemas em latim, as becas e as cerimônias ecoam o passado católico. Sem a Igreja, essas instituições simplesmente não existiriam.
Estudar a história das universidades é estudar a história da Igreja Católica. As duas são inseparáveis. Longe de reprimir o conhecimento, a Igreja criou as próprias estruturas que permitiram sua expansão.
Assim, da próxima vez que alguém elogiar a universidade moderna como um triunfo da razão secular, vale lembrar: as primeiras universidades nasceram em catedrais, mosteiros e sob a bênção de papas. O mundo moderno deve seu sistema educacional à Igreja Católica.
Toda glória a Cristo!
References
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