
Em um mundo cada vez mais distanciado de suas raízes espirituais e naturais, muitos cristãos se veem confusos diante das críticas modernas à caça. Para alguns, a prática parece brutal; para outros, desnecessária. Mas o que realmente diz o cristianismo sobre caçar? A resposta, à luz das Escrituras, da tradição e da razão, é clara: caçar é moral, legítimo e, quando feito com responsabilidade, uma forma de honrar o Criador.
1. O fundamento teológico: domínio e mordomia
Desde o Gênesis, Deus atribui ao homem o domínio sobre os animais e a terra:
“E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja pela terra.”
(Gênesis 1:28)
“Tudo o que vive e se move será alimento para vós; assim como vos dei a erva verde, agora vos dou todas as coisas.”
(Gênesis 9:3)
Essa ordem — que combina autoridade e responsabilidade — é a base da chamada teologia da mordomia. O homem não é um intruso na criação, mas seu guardião, designado por Deus para governar com justiça, usar com sabedoria e responder moralmente por seu uso da natureza.
A caça, nesse contexto, é um uso legítimo dos recursos naturais, especialmente quando feita com fins alimentares, culturais e de equilíbrio ecológico.
2. A caça na Bíblia: exemplos de homens justos e aprovados
Vários personagens bíblicos se dedicaram à caça ou viveram em ambientes em que ela era parte essencial da subsistência:
- Esaú, irmão de Jacó, era “homem do campo, perito caçador” (Gênesis 25:27). Embora sua escolha espiritual seja criticada, sua ocupação não é condenada — ao contrário, é retratada como uma habilidade valiosa.
- Davi, antes de ser rei, lutou contra leões e ursos que atacavam o rebanho de seu pai (1 Samuel 17:34–37), uma experiência que formou seu caráter de coragem e responsabilidade.
- Pedro, André, Tiago e João**, todos pescadores, foram escolhidos por Cristo não apesar de sua atividade, mas como homens habituados a lidar com a criação — o que simbolicamente reforça a dignidade do uso racional da natureza.
Além disso, os sacrifícios do Antigo Testamento eram, muitas vezes, oriundos da caça ou do manejo animal. O culto hebraico incluía o abate ritual, que santificava o uso da carne e ensinava respeito pela vida.
3. A visão cristã dos animais e do homem
O cristianismo não é panteísta, nem igualitarista biológico. Ele afirma a dignidade única do ser humano — feito à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26), dotado de razão, alma e vocação eterna. Já os animais, embora criaturas de Deus, não possuem alma racional e existem para servir aos propósitos do homem — seja como alimento, vestuário, transporte ou companhia.
Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II-II, q. 64, a. 1), afirma que matar animais para alimento ou defesa é lícito, pois eles não compartilham da natureza moral do homem.
O Catecismo da Igreja Católica, n. 2417, reforça:
“Deus confiou os animais à administração daquele que foi criado à sua imagem. (…) É legítimo utilizar os animais para se alimentarem e confeccionarem roupas.”
Negar isso é incorrer em heresias modernas de base animalista ou neopagã, que buscam nivelar homens e animais — o que contradiz frontalmente a antropologia cristã.
4. A caça como expressão de virtudes cristãs
Longe de ser uma atividade brutal, a caça, quando praticada com ética, é um exercício de virtudes:
- Autocontrole: o caçador aprende a esperar, discernir, agir com precisão e recuar quando necessário.
- Gratidão: ao abater um animal, o verdadeiro caçador reconhece o valor do alimento e não desperdiça.
- Coragem: lidar com ambientes selvagens exige firmeza física e moral.
- Humildade: na natureza, o homem percebe sua fragilidade diante do poder de Deus.
Assim como o trabalho da terra dignifica o agricultor, a caça bem conduzida forma o caráter cristão, desenvolve a masculinidade saudável e fortalece os laços familiares e comunitários.
5. A tradição cristã e a história da caça
Durante séculos, a caça foi integrada à vida cristã no Ocidente:
- Santos como Huberto e Eustáquio eram caçadores antes de sua conversão e não abandonaram sua relação com a natureza após abraçarem a fé.
- Os monges beneditinos criavam, manejavam e caçavam animais em seus mosteiros, respeitando os ritmos da criação e equilibrando oração e trabalho.
- A nobreza cristã medieval via a caça como treinamento para a guerra, mas também como rito iniciático de virtude, disciplina e honra.
Em todas essas manifestações, não havia contradição entre fé, razão e o uso prudente da vida animal.
6. O perigo das novas religiões ecológicas
Hoje, cristãos são pressionados a aceitar doutrinas estranhas travestidas de “ética ecológica”. Termos como “bem-estar animal absoluto”, “direitos dos animais”, “espécies sagradas” — frequentemente promovidos por ONGs globalistas — não têm base bíblica e muito menos cristã.
Ao contrário, essas ideologias tentam:
- Substituir o homem como centro da criação por uma visão anticristã que idolatra a natureza;
- Demonizar o uso legítimo dos recursos naturais;
- Controlar o comportamento humano através de culpa ecológica.
O fiel cristão deve resistir a esse novo tipo de paganismo verde — e reafirmar sua vocação de guardião da terra, sem medo de caçar quando necessário, de pescar quando possível, e de se alimentar do que Deus mesmo declarou bom.
Conclusão: Caçar é Honrar a Criação
Caçar não é pecado. Pecado é negar o que Deus autorizou.
A caça, quando realizada com ética, respeito e propósito, é uma continuação prática do mandato divino dado ao homem. Ela conecta o cristão à terra, ensina virtudes esquecidas e preserva a ordem natural. Mais do que isso, ela honra o Criador que fez o homem para governar com sabedoria e coragem sobre tudo que vive e se move.
Não há oposição entre fé e floresta, entre Bíblia e carabina, entre Cristo e caça.
Referência (ABNT):
BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2002.