
No meu ramo de desenvolvimento e análise de produtos, meu trabalho é criar soluções viáveis para indústrias, alinhar técnica e comercial, e acompanhar todas as etapas — do conceito à planilha de viabilidade. Só que ao longo dos anos, percebi que meu maior obstáculo não é criar, e sim convencer orçamentistas de que algo é possível no Brasil. E cada vez mais, admito: está praticamente impossível.
Em uma das últimas auditorias em que fui contratado para apresentar um novo produto a uma indústria, a proposta parecia promissora. Chegamos a um custo direto extremamente enxuto: R\$ 4,00 de matéria-prima e R\$ 7,00 de movimentação e preparação, totalizando R\$ 11,00 para deixar o produto pronto para a venda. Levei semanas buscando fornecedores, otimizando processos, modelando o escopo. Mas na reunião final, o orçamentista me apresentou a sentença: “Você precisa vender isso a pelo menos R\$ 62,86 se quiser manter o negócio de pé com margem.” Achei que fosse ironia. Era realidade.
Vamos aos fatos. Para atingir 10% de lucro líquido, a estrutura de custo envolvia:
- 25% de custos operacionais da empresa (administração, equipe, estrutura)
- 15% de ICMS (sim, só de imposto sobre a circulação do produto)
- 27% de comissões de plataformas, taxas administrativas de venda e intermediadores
- 4,5% de publicidade obrigatória para girar em marketplace
- 10% de lucro desejado (isso mesmo, desejado… não garantido)
Isso tudo representa 81,5% do valor final de venda. A fórmula que me foi mostrada (e que eu agora levo pra todos os projetos como “prova da loucura”) é a seguinte:
formula (imagem abaixo)
Com margem de segurança para variações e custos ocultos, arredonda-se para R\$ 62,86.
Sim, no final, a indústria lucra cerca de R\$ 6,00. Agora segure essa: a cadeia de tributos, plataformas, taxas e estruturas abocanha R\$ 56,86. O sistema arrecadador recebe quase 10 vezes mais do que quem produz de fato. E depois nos perguntam por que os produtos são caros, por que o mercado informal cresce ou por que há desindustrialização acelerada.

A “bitributação” já ficou pequena para definir esse fenômeno. O nome certo é bichoqueficação fiscal: um monstro de percentuais empilhados, voraz, que devora margens, inviabiliza fábricas e transforma profissionais em consultores frustrados de planilhas inviáveis. Cada reunião com orçamentistas virou uma espécie de velório para ideias inovadoras. A frase mais repetida do meu ano não foi “vamos produzir”, foi “o projeto é bom, mas aqui não fecha”.
E no fim de tudo isso, alguém sempre solta a frase clássica:
“Mas o SUS é ‘gratuito’, né?”
Claro. Você só paga R\$ 65,00 num produto que custa R\$ 4,00. O resto? Vai pro sistema — que agradece.
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