
Lucas Silveira é presidente do Instituto DEFESA e Instrutor-chefe da Academia Brasileira de Armas
Para adquirir uma arma de fogo no Brasil a legislação outorgou como obrigação ao proponente a comprovação de capacidade técnica para manuseio.
Assim como o teste psicológico, o laudo emitido por instrutor credenciado deve estar anexado ao processo de aquisição de armas e na renovação de registro, em regra.
Analisemos agora a motivação da exigência, como ela é aplicada no plano operacional e suas respectivas externalidades.
Primeiro, vamos às perguntas de praxe:
1. Você acredita que apenas pessoas consideradas “preparadas” devam ter acesso às armas de fogo?
2. O que você acha da realização de um teste, como uma prova para carteira de motorista, para verificar se o pretenso comprador está apto ou não ao uso de arma?
Se você respondeu “sim” a uma dessas perguntas, lamento informar mais uma vez: você ainda não entende nada sobre o desarmamento. Calma, não se desespere nem xingue este que vos escreve de arrogante. Eu vou explicar:
É claro que ninguém quer que pessoas que não saibam sequer empunhar uma arma de fogo saiam pelas ruas brasileiras como um potencial risco de acidente por imperícia ou negligência. Ninguém discute isso.
É evidente que quem pretende ter, usar ou portar armas de fogo, deve ter também, no mínimo, noções de funcionamento e manuseio.
Ocorre que, na prática, a tentativa de limitar o acesso às armas, por lei ou regulamento, com base nessas premissas, é absolutamente ineficaz, pelas razões que seguem:
I) O teste hoje aplicado é dividido em duas fases: teoria e prática. A teoria exige noções de legislação, partes das armas, balística básica e segurança. A prática consiste em disparos estáticos a curta distância contra silhueta humanoide vertical, parada, bem iluminada. Em outras palavras, o extremo oposto daquilo que você vai precisar quando estiver numa situação de combate.
O cenário no qual mais provavelmente exigirá de você sua habilidade no manuseio da arma deve envolver movimentação dos dois lados, uso de abrigo ou cobertura, coordenação de equipe – que para a maior parte das pessoas vai ser a sua família -, ocasionalmente baixa luminosidade, tempo limitado e muito, muito estresse. Então, afinal, o que estamos testando?
E, se no fim das contas, a arma que eu estou comprando destina-se à coleção e não ao combate. Qual é a relevância desse teste?
E se for a minha arma de caça, como é que vamos testar o proponente?
E se for uma arma de tiro esportivo? O IDSC é totalmente diferente do trap, por exemplo. Um teste para cada modalidade?
É fácil concluir que o teste não testa nada e que, portanto, o laudo não atesta nada.
II) Segundo, e mais importante: ainda que o teste funcionasse perfeitamente, ele impediria que os bandidos, aqueles que estão determinados a praticar o mal, comprassem e portassem suas armas? Ele seria suficiente para impedir que os crimes acontecessem? O Brasil com seus testes exagerados e sem fundamento, é a maior prova de que isso não ajuda em nada no combate ao crime, com o título nada honroso de país mais violento do mundo.
III) Reflita ainda: você realmente teria coragem de tirar à força a espingarda de um idoso de 90 anos, com histórico imaculado, residente da zona rural, seu legítimo proprietário nos últimos 60 anos, porque ele não conseguiu acertar um alvo ou meia dúzia de questões? Você realmente conseguiria colocar a cabeça no travesseiro e dormir tentando se convencer de que você ajudou a proteger este senhor hipotético contra a criminalidade, deixando-o desarmado?
E mais: se os testes práticos, como o da Carteira Nacional de Habilitação, realmente funcionam, por que o trânsito é assim?
A exigência de comprovação de aptidão técnica para manuseio de armas de fogo é mais uma forma de controlar a população que não alcança os objetivos a que se propõe. Não se reduz o crime impedindo que as vítimas tenham acesso às armas, não importa quão românticos sejam os prolegômenos que enfeitam a sua justificativa inicial.
Sem palavras, melhor sabias palavras.
Assim como existe enxadas cegas como motoristas que mesmo passando por testes de aptidão para ser um futuro motorista, também vai existir no modo atirador.
Pergunta: como saber se está apto a portar uma arma?
Eu acho que o exame é necessário. Não é o que vai resolver todos os problemas, como é apontado no texto, mas é um início, pois se o proponente não consegue acertar um tiro com alvo parado e bem iluminado, imagina na situação de estresse. Do mesmo jeito que o exame de CNH não impede motoristas sem habilitação ou habilidade de dirigir, não dá para falar em liberar a habilitação sem qualquer controle tb.
Esse exame prático serve para avaliar se a pessoa consegue fazer o básico do básico, não para saber de fato se em uma situação real ela vai conseguir se defender ou não.